sábado, 9 de maio de 2009

Sobre Verdades e Mentiras...

Conheci uma menina real que me contou esta história:

O pai dela havia trazido para casa, muitos anos antes, um passarinho muito pequeno, ainda filhote, embora já se alimentasse sozinho, dentro de uma gaiola.

Àquela altura de sua vida ela ainda não tinha a mesma definição do direito à liberdade que tem hoje. A de que qualquer ser com vida, de qualquer espécie possui este direito. Mas já havia um esboço sendo definido.

Percebeu isso anos mais tarde ao lembrar-se da estranha sensação de curiosidade e alegria por ver seu pai alegre trazendo "uma nova distração para casa", os homens se sentem provedores quando trazem novidades para casa...! E do sentimento de empolgação que só as crianças conseguem ter em pensar que poderia acordar todos, "todos" os dias e estar ali ao lado daquele novo ser...e que de certa forma ele seria seu...!

Tudo isso veio misturado à um incômodo bem ao fundo, meio que manchando toda a cena Tinha algo a ver com a família do passarinho que ele não veria mais e como o mundo da menina seria pequeno se ela também não pudesse sair de casa e ir brincar todos os dias lá fora!

Ela decidiu mais uma vez conviver com o que tinha: A presença dele! Essa realidade talvez pudesse alterar! Podia ser sua amiga e brincar com ele e quem sabe ele não se sentira muito sozinho...!

Bom o tempo passou e eles foram crescendo juntos...A maneira de cada um. Ela continuava podendo ir brincar lá fora e ele não! Ele não via a família dele. Mas ela via! E "via" também os gritos...as distâncias entre eles e via como isso podia doer..!

Mas de certa forma a presença um do outro os distraía!O passarinho parecia curioso ante a curiosidade dela e às tentativas dela em imitá-lo!

Para ela o canto dele era o mais forte e seguro do que o de qualquer outro pássaro e ele retribuía dando à ela cantando no tempo necessário da tentativa de imitá-lo...Assim, ela podia pensar que estivessem realamente se comunicando...Ele fez isso tão bem, que mesmo hoje com a pressão da razão da vida adulta, ela ainda acredita... só que secretamente!


Um belo dia, muitos anos depois, embora ela inda fosse uma criança e ele um adulto!A menina chegou da escola com a mesma ânsia de todos os dias em encontrar o ser que passara a ser a extensão da família e que morava do lado de fora da casa numa gaiola, e as vezes dentro quando estava muito frio!

Mas ao contrário do que acontecia todos os outros dias, tão certos tão prazerosamente previsíveis...a presença dele era confortavelmente previsível! Ela encontrou uma gaiola grotescamente vazia...!

Aquilo foi um soco na sua doce realidade de momentos doces ao lado dele! Não podia ser! Não havia uma lógica: quando ela saiu cedo, ele não estava doente! E a essa altura ela já sabia que quando alguém está doente temos que nos preparar para a possibilidade de não vê-lá mais! Mas aquilo era um contra senso! A gaiola estava intacta, o cenário ao redor absolutamente igual, a comida e água ainda estavam no lugar. Não havia sinais que pudessem indicar que algum gato tivesse derrubado a gaiola e...! Não definitivamente, um gato não tinha passado por ali! A menos que literalmente, escalasse paredes como o Homem Aranha!

Foi quando a voz da mãe a laçou da palidez daquele momento e a jogou no abismo da certeza do improvável.

A voz veio certeira, sem sombras de dúvidas: - O "Amarelinho" (ele era um canário) fugiu!

Ainda parada diante da gaiola, atônita, sem qualquer reação ao mundo externo ou à voz que a repuxava! Foi invadida por um turbilhão de imagens sem sentido que tentavam reconstituir um outro absurdo! A mãe tão forte e esperta sempre, nunca teria deixado algo ruim acontecer ao passarinho na presença dela!

Mas então de onde vinha a certeza da frase: - Ele fugiu! Fugir é muito preciso numa situação dessas! Assim como seria: - Ele morreu! - Ele está no veterinário. Mas ele tinha - Fugido!

Foi então que ela identificou no tom da voz da mãe, bem ao final da frase, umas reticências...Isso impedia que aquilo fosse uma simples constatação, mas também não chegavam a ser uma uma tentativa da aproximação para um consolo...tinham um certo afastamento. Era...culpa!